O RETORNO AO DILEMA DE ANTÍGONA: A DIGNIDADE DO CORPO MORTO NO CONTEXTO PANDÊMICO DA COVID-19
Resumo
Este artigo propõe discutir a relevância em assegurar o direito à dignidade do corpo morto, sob uma perspectiva constitucional, relacionando-o com o contexto da pandemia decorrente do COVID-19 no Brasil. A partir da compreensão das distintas dimensões deste direito e sua relevância no ordenamento jurídico enquanto direito humano, avaliar-se-á sua atual efetividade no contexto de crise sanitária brasileira. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de caráter exploratório, onde o método hipotético-dedutivo permeia o desenvolvimento do trabalho, com análise de dados estatísticos e documentos os quais noticiem as condições atuais de tratamento aos corpos de pessoas mortas pela doença COVID-19. Com base nessas informações, serão examinadas as condições jurídicas de violações repercutidas pela pandemia, observando a crise do sistema funerário para acolher os cadáveres, assim como os conflitos existentes entre o tratamento dos corpos e o direito do de cujus e seus familiares a terem observados os critérios litúrgicos de velamento do corpo que preservem a liberdade de crença, autonomia cultural e direito à memória de uma morte digna. Partindo das origens desses direitos e da constitucionalização de institutos jurídicos das relações privadas acerca do fim da vida humana, será abordado o colapso do sistema hospitalar-funerário, e as violações decorrentes de corpos insepultos putrificando às ruas, os que enterrados em valas comuns à revelia da despedida dos respectivos familiares. Ao final, serão esboçadas as considerações pertinentes para novas atitudes frente a esse quadro de sistemáticas violações.Referências
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004.
AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Nota Técnica GVIMS/GGTES/ANVISA Nº 04/2020. Brasília: ANVISA, 2020.
AGÊNCIA SENADO. Coronavírus: Projeto permite ao SUS utilizar leitos da rede privada de saúde. Brasília: Agência Senado, 2020. Disponível em:< https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/04/coronavirus-projeto-permite-aosus-utilizar-leitos-da-rede-privada-de-saude>. Acesso em 29 mai. 2020.
ARIÈS P. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
Amazonas usa contêineres frigoríficos para corpos de vítimas do novo coronavírus. CNN Brasil, São Paulo, 18 abr. 2020. Disponível em: < https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/04/18/amazonas-usa-conteineres-frigorificospara-corpos-de-vitimas-do-novo-coronavirus. Acesso em 01 mai. 2020.
BETTIZA, Sofia. A dor das famílias proibidas de enterrar seus mortos na Itália. BBC Brasil, 25 mar. 2020. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-52025235>. Acesso em 29 mar. 2020.
BERGSON, Henri. Matéria e memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Editora Martins e Fontes, 1990.
BRASIL. Manejo de corpos no contexto do novo coronavírus COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde, 2020.
______. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tradução da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Brasília: Ministério da Justiça, 2014.
_______. Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos – 2014: Direito í vida, anistia e direito í verdade. Brasília: CNJ, 2016.
CANDAU, Joel. Memória e Identidade. Tradução: Maria Letícia Ferreira. São Paulo: Contexto, 2012.
CORREIA, Cyneida. Família quer desenterrar idosa após teste de Covid dar negativo. Folha BV, Boa Vista, 13 abr. 2020. Disponível em: < https://folhabv.com.br/noticia/CIDADES/Capital/Familia-quer-desenterrar-idosa--apos-testede-Covid-dar-negativo/64626. Acesso em 02 mai. 2020.
Corpos amontoados pelo chão do IML e longa fila de carros funerários retratam o colapso do Pará. G1, Belém, 02 mai. 2020. Disponível em: < https://g1.globo.com/pa/para/noticia/2020/05/02/corpos-amontoados-pelo-chao-do-iml-elonga-fila-de-carros-funerarios-retratam-o-colapso-do-para.ghtml>. Acesso em 21 mai. 2020.
Corpos de vítimas do coronavírus são empilhados em caminhão nos EUA. ISTOÉ, São Paulo, 31 mar. 2020. Disponível em: < https://istoe.com.br/video-corpos-de-vitimas-do-coronavirussao-empilhados-em-caminhao-nos-eua/>. Acesso em 22 mai. 2020.
CRUZ, Gabriel Garcia Marques da. Calamidade Pública, Estado de Defesa e Estado de Sítio: Características, Distinções e Limites em Tempos de Pandemia, p. 105-120. In: BAHIA, Saulo José Casali (Org.). Direitos e deveres fundamentais em tempos de coronavírus. São Paulo: Editora Iasp, 2020.
CUPIS. Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Campinas: Romana, 2004.
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ – FIOCRUZ. Processo de luto no contexto da COVID-19. Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2020.
LAVIERI, Fernando. SUS corre risco de colapso. ISTOÉ, São Paulo, 20 mar. 2020. Disponível em: <https://istoe.com.br/sus-corre-risco-de-colapso/>. Acesso em 22 mai. 2020.
MAZZILLI, Hugo Nigro. O crime de violação de sepultura. Revista Magister de Direito Penal e Processual Penal, ano V, n. 27, 2009.
MENEZES, Rachel Aisengart: Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos. Rio de Janeiro: Garamond/ Fiocruz, 2004.
MORAES, Ricardo. Corpo de homem que pode ter morrido por Covid-19 fica na rua por 30 horas no Rio. Folha, Rio de Janeiro, 21 mai. 2020. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/05/corpo-de-homem-que-pode-ter-morridopor-covid-19-fica-na-rua-por-30-horas-no-rio.shtml. Acesso em 22 mai. 2020.
NASCIMENTO, Elimar Pinheiro. Hipóteses sobre a nova exclusão social: dos excluídos necessários aos excluídos desnecessários. Caderno CRH, v. 7, n. 21, 1994.
NEGRI, Barjas. Introdução: A política de saúde no Brasil nos anos 1990: Avanços e limites. In B. Negri & A. L. Viana (Eds.), O Sistema Único de Saúde em dez anos de desafio (pp. 15-42). São Paulo, SP: Sobravime, 2002.
ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD. Prevención y control de infecciones para la gestión segura de cadáveres en el contexto de la COVID-19. Organización Mundial de la Salud, Orientaciones provisionales, 24 de marzo de 2020. Disponível em: < https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331671/WHO-COVID-19-lPC_DBMgmt2020.1-spa.pdf>. Acesso em 20 abr. 2020.
POCHMANN, Marcio; SILVA, Luciana. A fuga do Estado da batalha entre capital e trabalho. Revista Economia Política do Desenvolvimento. Maceió–AL V.5 N.2. dezembro/2018 P. 97 – 113.
PRESSE, F. Com corpos de mortos por coronavírus nas ruas, cidade do Equador recebe doação de mil caixões de papelão. OGLOBO, Rio de Janeiro, 05 abr. 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/05/com-corpos-de-mortos-porcoronavirus-nas-ruas-cidade-do-equador-recebe-doacao-de-mil-caixoes-de-papelao.ghtml>. Acesso em 01 mai. 2020.
RACHE, Beatriz et al. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo í COVID-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. São Paulo: Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, 2020.
RASCKE, Karla Leandro. Um Funeral "Digno": Celebrações da morte na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Florianópolis (1888-1925). Afro-Ásia, Salvador, n. 50, p. 129-169, dic. 2014.
SANTIAGO, Abinoam. Corpo de advogado é retirado de túmulo ao testar negativo para coronavírus. UOL, Ponta Grossa, 02 abr. 2020. Disponível em: < https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/02/corpo-de-advogado-eretirado-de-tumulo-ao-testar-negativo-para-covid-19.htm>. Acesso em 20 mai. 2020.
SOFÓCLES. Antígona. Trad. Donaldo Shüler. L&PM Pocket: 2010.
STEINGRABER, Ronivaldo. Religião e economia: a China tem um espírito protestante? Cadernos do Desenvolvimento, v. 13, n. 22, p. 11-34, 2018
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de Personalidade e sua Tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
TRINDADE, André Karam; KARAM, Henriete. Ex fabula ius oritur: Antígona e o direito que vem da literatura. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, v. 5, n. 2, p. 196-203, 2013.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: Parte geral. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004.
ZIEGLER, Jean. Os vivos e a morte: uma "sociologia da morte" no Ocidente e na diáspora africana no Brasil, e seus mecanismos culturais. Trad. Aurea Weissenberg. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1975.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
A publicação na Revista Pensamento Jurídico implica a aceitação das condições da Cessão de Direitos Autorais de Colaboração Autoral Inédita, e Termo de Responsabilidade, que serão encaminhados ao(s) autor(es) com o aceite.