A INCONSTITUCIONALIDADE DA ELIMINAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO DE CANDIDATOS NÃO RECONHECIDOS COMO NEGROS NO PROCEDIMENTO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO DE COTAS RACIAIS
Resumo
O presente artigo pretende analisar a (in)constitucionalidade da regra de eliminação em concurso público dos candidatos não enquadrados como negros pela comissão de heteroidentificação prevista pela Portaria Normativa n.º 4/2018 do Ministério de Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que regulamenta o processo de reconhecimento dos beneficiários da política de ação afirmativa criada pela Lei n.° 12.990/2014. Por conseguinte, são abordados o sistema de cotas raciais para acesso a cargos e empregos públicos da Administração Pública Federal, a complexidade do processo de formação da identidade racial de pessoas multirraciais, a relevância da autodeclaração racial enquanto instrumento que assegura o direito à autodeterminação e a dignidade da pessoa humana, o princípio da legalidade e o postulado da proporcionalidade. A pesquisa utiliza-se do método dedutivo, mediante revisão bibliográfica, documental e jurisprudencial. Ao final, conclui-se que a medida estatal não é compatível com o ordenamento constitucional por contrariar as diretrizes previstas pelo legislador, estabelecer uma presunção de má-fé, restringir o direito à participação dos candidatos na seleção e desincentivar o uso da ação afirmativa por pessoas fenotipicamente ambíguas.
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